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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Violência

Vamos tratar, por alguns dias, de termos utilizados em psiquiatria, tentando entendê-los com palavras diretas e sem "tantos" termos técnicos.

Começo com violência, no dia de hoje.

Não é objetivo aqui, tratar a agressão e a violência sob a ótica dos elementos psicodinâmicos, das variáveis sócio-culturais ou do ponto de vista ético e estético. Esse trabalho se atrelaria mais à psicologia, antropologia, à moral e à ética. Nossa questão será neuropsiquiátrica, por excelência.

Como analogia, para fins didáticos, vamos considerar a relação mente-cérebro como se fosse uma unidade de trabalho composta de um cavalo e um cavaleiro. O cavalo, nesse exemplo, representa a parte cerebral e o cavaleiro a parte mental. Assim, podemos aventar a possibilidade de um cavaleiro muito virtuoso, capaz de conduzir com maestria um animal pouco domado, ainda que esse animal fosse portador de alguma impetuosidade constitucional. Um cavaleiro frágil, entretanto, pode fazer um mau trabalho mesmo se o cavalo for bom.

Durante um relacionamento agressivo, geralmente o cérebro (eixo hipotálamo-hipofisário) envia um sinal às glândulas supra-renais determinando a liberação de adrenalina na corrente sangüínea. Há, rapidamente, um aumento da excitação fisiológica e do nível de vigilância do organismo. Simultaneamente, também procedente das supra-renais, os níveis sangüíneos de cortisol livre aumentam, numa clara demonstração da interação entre os estímulos externos e a fisiologia interna.

Experimentalmente, o inverso da seqüência acima parece ser também verdadeiro, de acordo com o que sugere os experimentos de Raynes (1970) com peixes lutadores. O pesquisador estimulou a agressividade nestes peixes colocando álcool na água, enquanto A mesma coisa foi feita com noradrenalina. Outros experimentos demonstram que a agressividade pode ser alterada modificando-se a taxa metabólica de certos neurotransmissores do sistema nervoso central, mais precisamente da noradrenalina, serotonina e dopamina. Parece ser também de importância fundamental o papel dos hormônios sexuais no perfil da agressividade do indivíduo.

Existe, inegavelmente, uma sólida inter-relação entre estímulos externos e a fisiologia interna no mundo animal. Mais importante ainda, é a relação entre a fisiologia interna e a resposta comportamental. Vimos que um estímulo estressor pode determinar um aumento na secreção de substâncias químicas do tipo adrenalina, hormônios e neurotransmissores, colocando o indivíduo numa posição de alarme, pronto para a luta ou para a fuga. Por outro lado, esta posição de alarme também pode ser determinada a partir do aumento (experimental) destas substâncias sem, necessariamente, a presença do agente estressor vivencial.

Os neurotransmissores alterados na agressão são fisiologicamente encontrados no Sistema Límbico (parte do cérebro chamado de "centro das emoções), e isso dirigiu a atenção dos pesquisadores para esta área do Sistema Nervoso Central (SNC), cuja fisiologia descrevemos mais abaixo. E é aí que entra o elemento topográfico e anatômico da agressão. O Sistema Límbico é fisiologicamente relacionado ao controle e elaboração da maioria dos comportamentos motivados.

Em relação aos hormônios sexuais, durante séculos o conhecimento geral atesta o fato de um garanhão selvagem castrado tornar-se muito mais dócil. Da mesma forma que a castração de um touro selvagem transforma-o num boi trabalhador e submisso. Nos seres humanos a castração terapêutica foi institucionalizada nos países escandinavos, particularmente na Dinamarca, e seu uso restringe-se praticamente aos criminosos sexuais.

A legislação desses países coloca a castração terapêutica como uma opção voluntária do prisioneiro, cuja não concordância implica em reduzidas chances de sair da prisão. Baseado nas poucas centenas de casos estudados, pode-se dizer que a castração proporciona uma pacificação geral nestes prisioneiros e há um número relativamente pequeno de recidivas, segundo Johnson.

Psicopatologicamente, a violência e a agressão não podem ser considerados características de nenhum estado psicopatológico particular. Sabemos, como também deve saber qualquer profissional da área com bom senso e observação, das relações entre a Epilepsia do Lobo Temporal e crises de furor e agressividade extremada. Também lembramos os casos de Embriagues Patológica, como um bom exemplo de agressividade exagerada e responsável por inúmeros crimes de agressão. Este estado se caracteriza por uma mudança abrupta e profunda na personalidade motivada pela ingestão de bebida alcoólica (mesmo em pequena dose).

Psicodinamicamente, a agressão deve ser considerada à luz da conjuntura sócio-cultural. Há inúmeras reflexões filosóficas acerca do natural (ou não) potencial agressivo e violento do ser humano. Rousseau teimava em reconhecer uma certa bondade natural do indivíduo, o qual, colocado diante de uma sociedade corruptora transformaria sua boa natureza em atuação social condenável. Thomas Hobbes, por outro lado, afirmava ser vil e mau uma condição natural do ser humano. Sua sociabilidade aceitável e meritosa devia-se à atuação modeladora da sociedade, normalmente através dos mecanismos de coerção e gratificação (valores).

Entre estas duas correntes principais e opostas devemos entender todos os casos de nossa observação de forma individualizada, considerando as peculiares circunstanciais de cada um, lembrando sempre que comportamentos, atitudes, sentimentos e emoções costumam ultrapassar os conhecimentos que temos dos neurotransmissores, da topografia e fisiologia cerebrais.

Enfim, a fisiopatologia da agressão e violência é um vasto campo por onde deverão desfilar infindáveis hipóteses e pesquisas. Além disso, as circunstâncias existenciais a que se submete o indivíduo durante sua trajetória de vida tendem a inviabilizar uma sistematização mecanicista acerca deste tipo de comportamento motivado.

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