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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Ciúme patológico


O ciúme é uma emoção humana muito comum e talvez universal que pode assumir uma intensidade e características formais patológicas. Embora na maioria das vezes se refira à vida amorosa e nela atinja o seu ápice, o ciúme em sentido amplo ocorre também em outras dimensões da vida nas quais haja vínculos afetivos intensos, como entre irmãos ou grandes amizades.

Três coisas caracterizam o ciúme:

(1) ser uma reação frente a uma ameaça à estabilidade de uma relação emocional significativa,

(2) haver um rival real ou imaginário que pode desfazê-la e

(3) ser uma reação que visa eliminar os riscos da perda do objeto amado.

Em questões como essa, a linha divisória entre normal e anormal frequentemente se torna pouco nítida. No sentido quantitativo, o ciúme se torna patológico quando atinge uma intensidade em que há prejuízos para a vida normal da pessoa. Do ponto de vista formal, o ciúme patológico é aquele que ocorre mesmo quando a realidade não mostra indícios para a desconfiança alegada, sendo que a ideia da pessoa acometida não é corrigível por argumentos lógicos ou demonstrações racionais.

Até mesmo se o(a) parceiro(a) confirmar as suspeitas, numa tentativa de solucionar o problema, isso não trará a tranquilidade esperada e a confissão do(a) companheiro(a) é vista como não tão detalhada e fidedigna quanto deveria. O ciúme patológico assume às vezes a característica de ideias supervalorizadas ou delirantes e retira o indivíduo de tal forma do contato com a realidade que ele deixa de perceber uma eventual traição real em favor de uma suposição infundada.

Os objetos do ciúme patológico, sobretudo se delirante, são claramente improváveis ou mesmo absurdos, incluindo parentes, idosos ou crianças. Enquanto o ciúme normal é transitório e específico para uma determinada pessoa, o ciúme patológico costuma ser permanente e mesmo crescente e abranger grande número de pessoas, às vezes mutáveis. Uma dose ligeira de ciúme normal costuma ser benéfica para a pessoa alvo, que se sente valorizada por ela, enquanto o ciúme patológico é incomodativo.

No ciúme normal, a pessoa que tem ciúmes deseja preservar aquela de quem tem ciúmes, porque a ama. No ciúme patológico a pessoa ciumenta frequentemente se torna hostil e agressiva com aquela de quem tem ciúmes, embora não admita ficar sem ela. Aquele que sofre de ciúme patológico se preocupa com relacionamentos passados de seu parceiro, reais ou supostos. As pessoas alvo de ciúmes patológicos vivem ocultando ou dissimulando elogios e presentes recebidos ou omitindo fatos e informações na tentativa de minimizar os graves problemas que o ciúme lhe traz, mas geralmente acabam por agravar ainda mais situação.

Nada resolve as dúvidas levantadas pelo ciúme patológico e, se a pessoa não chegou a nenhum dado concreto, acha que é porque não pesquisou direito ou faz raciocínios pouco lógicos para justificar suas suspeitas. Assim, por exemplo, um marido que suspeitava de telefonemas para a sua esposa que partiam de um vendedor de uma loja de decorações constatou que os telefonemas se deviam ao fato de que estavam mudando as cortinas do apartamento, mas então se convenceu de que era com esse vendedor que a esposa o traía. Enfim, quanto mais investiga, mais aumentam as dúvidas que tem e nada é suficiente para trazer paz. O ciúme patológico afasta tanto a pessoa da realidade que se estiver acontecendo uma traição real ela deixa de percebê-la, por estar totalmente apegada às suas ideias anormais.

Muitos autores diferenciam o ciúme patológico do ciúme delirante. Enquanto o primeiro parece estar relacionado aos transtornos do espectro obsessivo, o delírio de ciúmes está relacionado a quadros psiquiátricos definidos, bem como ao alcoolismo crônico e às dependências químicas. Nem sempre é fácil determinar as causas do ciúme anormal e às vezes não há uma causa conhecida, embora ele possa ser um sintoma de um quadro psicopatológico maior, ligado a um transtorno obsessivo compulsivo, a um desenvolvimento delirante, a um quadro paranoide, etc. O que demonstra o caráter emocional e altamente irracional do problema é a existência, embora mais rara, da situação inversa, em que a pessoa incentiva seu par a procurar outros relacionamentos e a contar-lhe os detalhes deles.

Do ponto de vista comportamental, do lado da pessoa ciumenta, o ciúme patológico parece ser um desejo de controle total sobre a outra pessoa. Alguns autores consideram o medo da perda do outro como a causa fundamental do ciúme, sendo isso mais importante que a crença superestimada da infidelidade. A psicanálise levanta a possibilidade da existência de motivos inconscientes (temor da impotência, homossexualidade), mas nenhuma dessas hipóteses conta com uma concordância unânime.

O ciúme patológico se faz acompanhar de outros sintomas psicológicos como ansiedade, depressão, raiva, vergonha, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual, autoestima rebaixada e sensação de insegurança. A pessoa acometida já não trabalha direito, procura saber a todo instante por onde anda e o que está fazendo a pessoa de quem sente ciúmes, telefona constantemente para seguir-lhe os passos, perde o sono por ciúmes, fica nervosa quando não localiza o objeto do ciúme, abre correspondências, ouve telefonemas, examina bolsos, bolsas, carteiras, recibos, roupas íntimas, segue o(a) companheiro(a), contrata detetives particulares, realiza visita ou faz telefonemas de surpresa, etc., na expectativa quase sempre frustrada de surpreender a situação imaginada, mas nada disso ameniza suas dúvidas. Adota defensivamente um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo, podendo chegar a comportamentos criminais. O ciúme patológico pode levar a homicídios e a máxima “se não vai ficar comigo, não vai ficar com ninguém” é típica dessas pessoas.

A pessoa acometida pelo ciúme patológico se torna viciada ou obcecada pelo(a) parceiro(a), ela vive pelo outro(a), esperando que este outro dê significado à sua própria vida. O comportamento de cuidar do(a) parceiro(a) ocorre de forma descontrolada, obsessiva e a pessoa acaba por abandonar o seu desenvolvimento e a sua realização pessoais.

O tratamento do ciúme patológico é sempre muito difícil. Sempre que o ciúme patológico for sintoma de um quadro maior, este deve ser adequadamente tratado. Se o sofrimento ultrapassa certos limites, uma psicoterapia pode ajudar, mas é difícil o paciente aderir a ela até seu êxito. O(a) ciumento(a) patológico(a) deve ser visto(a) como uma pessoa doente, que precisa de ajuda profissional.

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