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sábado, 26 de maio de 2012

Estrongiloidíase




Em 1876, soldados franceses que voltaram do serviço militar na Conchinchina (atual Vietnã) apresentaram em suas fezes diarreicas as formas larvárias de um helminto. Então, um dos médicos responsáveis pelo caso no Hospital Naval em Toulon, França, o Dr. Arthur R. J. Bavay denominou-o Anguillula stercoralis. Entretanto, devido ao complexo ciclo evolutivo, no qual apresenta diversas morfologias, o helminto recebeu diferentes nomenclaturas. Para por um fim a isso, em 1902, Stilles & Hassal finalmente o denominaram com o nome atual, ou seja, Strongyloides stercoralis.

Este, por sua vez, corresponde a um nematódeo intestinal com distribuição geográfica ampla, podendo apresentar três graus quantitativos formulados por Bavay em 1876: esporádica (< 1%), endêmica (1-5%) e hiperendêmica (>5%). A última é a qualificação de muitas áreas do Brasil em relação à infestação por esse parasito, o que valida a experiência de mostrar aos doutores leitores, um pouco das importantes complicações que ele pode acarretar e suas apresentações na vida médica cotidiana.

Biologia:
“As fêmeas partenogenéticas, em seu hábitat normal, localizam-se na parede do intestino, mergulhadas nas criptas da mucosa duodenal, principalmente nas Glândulas de Lieberkühn e na porção superior do jejuno, onde fazem as posturas. Nas formas graves, são encontradas da porção pilórica do estômago até o intestino grosso.” (NEVES, 2005).

Ciclo Biológico:
Primeiramente, devemos atentar-nos ao fato de que a fêmea progenitora dos ovos é triplóide, o que nos fornece a chance de produção de três ovos geneticamente diferentes e, consequentemente, larvas geneticamente diferentes quanto ao número de cromossomos. As larvas são as seguintes: larvas rabditóides triplóides (3n), que se tornam larvas filarióides triplóides infectantes, completando o ciclo; larvas rabditóides diplóides (2n) que originarão as fêmeas de vida livre; e as larvas rabditóides haplóides (n) que darão origem aos machos de vida livre.

Conforme já foi dito acima, existem dois tipos de ciclos biológicos apresentados por esse parasito: o ciclo direto ou partenogenético e o ciclo indireto, sexuado ou de forma livre.

As larvas são expelidas junto às fezes do parasitado.

Diferenças e semelhanças entre os ciclos:

1- Ciclo direto: “as larvas rabditóides triplóides (3n) no solo ou sobre a pele da região perineal, após 24 a 72 horas, transformam-se em larvas filarióides infectantes.”.
(NEVES, 2005)

2-Ciclo indireto: “as larvas rabditóides sofrem quatro transformações no solo e após 18 a 24 horas, produzem fêmeas e machos de vida livre. Os ovos originados do acasalamento das formas adultas de vida livre serão triplóides, e as larvas rabditóides evoluem para larvas filarióides (3n) infectantes.”.
(NEVES, 2005)
As larvas filarióides podem permanecer no solo por até quatro semanas.

3-Fase comum aos ciclos:
As larvas triplóides penetram ativamente na mucosa oral, pele, mucosa esofágica ou gástrica, por meio do uso da liberação de melanoproteases. Algumas delas morrem, entretanto, outras chegam aos vasos linfáticos e venosos, seguindo posteriormente para coração e pulmões. Já nos capilares alveolares, sofrem uma transformação para larva L4 e chegam à faringe. Podem ser eliminadas por expectoração ou serem engolidas, alojando-se no seu hábitat natural, já dito acima. Lá, tornam-se fêmeas partenogenéticas e depositam ovos na mucosa intestinal, gerando, a posteriori, a larva L1. Uma peculiaridade do S. stercoralis é que algumas de suas larvas sofrem uma segunda ecdise ainda dentro do hospedeiro, de modo que elas já se tornam infectantes e penetram na mucosa do intestino grosso do parasitado, gerando uma autoinfecção interna.

Transmissão:
É influenciada por fatores como higiene do paciente e condições sanitárias em que este reside.
Pode se dar de três formas: hetero ou primo-infecção, autoinfecção externa ou exógena e autoinfecção interna ou endógena.

*Autoinfecção interna ou endógena:

Comum em pacientes que se apresentam imunodeprimidos, com exposição à infecção durante um longo período de tempo ou em pacientes que apresentam constipação constante. Ocorre da seguinte forma:

1- Acontece uma segunda ecdise das larvas rabditóides para a forma filarióide (L3) ainda no intestino do paciente;

2- Essas larvas penetram na mucosa intestinal e voltam a adentrar em vasos sanguíneos, repetindo o método de infecção e o ciclo parasitário;
Hiperinfecção: é um aumento do número de parasitos nos locais comum à localização de larvas rabditóides (pulmões e intestino).
Forma disseminada: quando estes parasitos se disseminam para órgãos de localização não inerente à espécie (cérebro, coração, fígado e pâncreas).

*Autoinfecção externa ou exógena:

Comum em pacientes idosos, em crianças e em pacientes internados em uso de fralda. Consiste nos seguintes fatos:

1- Larvas rabditóides presentes nas fezes restantes nos pelos perianais transformam-se em larvas filarióides.

2- Essas, por sua vez, penetram na pele dessa região, completando a reintrodução a um novo ciclo parasitário.

*Heteroinfecção ou primo-infecção:

1- Larvas filarióides infectantes (L3) penetram na pele do hospedeiro. Os passos seguintes a esse acontecimento mostram-se no item FASES COMUNS AOS CICLOS.
Localizações no hospedeiro humano, sinais e sintomas

Geralmente, os indivíduos infectados por este verme não apresentam sintomatologia ou são oligossintomáticos. Entretanto, em pacientes imunodeprimidos ou hiperinfectados, esse parasita alcança taxas de óbito de até 87%.

Essa forma grave relaciona-se com fatores intrínsecos, como subalimentação com carência de proteínas, alcoolismo crônico, infecções associadas, uso de anestesia geral por facilitar a estase bronco pulmonar, uso de quimioterapia, entre outros. E, também com fatores extrínsecos, como carga parasitária.¹

Sua sintomatologia é extensa e se mostra caracterizada no local de apresentação das formas evolutivas do parasito, que são as seguintes:

Cutânea

É rara, entretanto, pode incrementar e facilitar o diagnóstico. Apresenta: edema, prurido, eritema, pápulas hemorrágicas e urticárias. Lesão conhecida como larva currens, que é resultante da migração das larvas filarióides e se mostra como lesões serpiginosas, urticariformes e com prurido. Púrpuras Peri-umbilicais.

Pulmonar

Tosse com ou sem expectoração, febre, dispneia e crises asmatiformes, broncopneumonia, síndrome de Löeffler, edema pulmonar e insuficiência respiratória.

Intestinal

Enterite catarral, enterite edematosa, enterite ulcerosa, dor epigástrica antes das refeições (melhora com a alimentação e piora com o excesso), diarreias, náuseas e vômitos. Perda de peso e sangramento, além de obstrução intestinal.

Disseminada

Nesse caso, os pacientes podem apresentar:

1- quando as larvas atingem os rins: hematúria, proteinúria e larvas na urina.

2- quando as larvas atingem o fígado: larvas no fígado.

3- quando as larvas atingem o cérebro: cefaleias, alterações no estado mental, coma e ataques epileptiformes, meningite (não devido a ele, mas, às bactérias gram-negativas que o Strongyloides carrega).

Além disso, as larvas podem atingir e causar infecções, também em: pâncreas, vesícula biliar, tireóide, adrenais, próstata, glândulas mamárias e linfonodos. No líquido pericárdico também podem ser encontradas larvas.

Diagnóstico
O diagnóstico clínico é dificultado, tendo em vista os poucos sintomas apresentados na forma não disseminada. Entretanto, um paciente asmático que não apresenta resposta satisfatória ao tratamento, é digno de atenção por parte da equipe médica que o assiste.

Dessa forma, podemos citar diagnósticos diferenciais que devem ser eliminados para que se aproxime da correta conclusão do caso, como: ascaridíase, giardíase, pneumonia, urticária, eosinofilia pulmonar tropical, pancreatite e colecistite.

Caso estes já tenham sido devidamente testados, passaremos a realizar repetidos exames de fezes que deverão ser analisados segundo os Métodos de Lutz e de Baermann-Moraes, buscando a presença de larvas.

Já nos casos de estrongiloidíase disseminada, “a chave para o diagnóstico é o alto índice de suspeição clínica, especialmente na presença de imunossupressão.”.
(LUNA, GRASSELLI, ANANIAS E COL.)

Assim, um paciente que apresente qualquer síndrome ou tratamento que ataque o número de linfócitos T deve ser acompanhado com atenção devida aos sintomas aparentes, que são inespecíficos. Entretanto, caso uma dor epigástrica ou pulmonar sem explicação inerente à patologia ou ao tratamento surja, devem-se prestar os devidos cuidados.

Além desses, também podem aparecer: dor e distensão abdominal, desconforto respiratório agudo, tosse, hemoptise, hipoxemia, choque, sepse por bactérias gram-negativas, febre, infiltrado pulmonar e diarreia.

Outros exames podem funcionar no momento em que estamos diante de um quadro de estrongiloidíase, como: busca de larvas na secreção traqueal, no lavado brônquico, no aspirado gástrico ou nas biópsias de tecidos normalmente infestados por elas, como gástrico, jejunal, cutânea e pulmonar.

Já os exames laboratoriais servem apenas como testes complementares quando se pretende formar um diagnóstico. Entre eles, os mais usados são: ELISA, IFI e WB, devido à alta especificidade e sensibilidade.

Epidemiologia
No Brasil, a prevalência é mais alta nos estados de: Minas Gerais, Maranhão, Rio Grande do Norte.²

Além disso, sua notificação não é obrigatória, o que dificulta ainda mais a verdadeira visão epidemiológica sobre o parasito.

Os fatores que favorecem a transmissão de estrongiloidíase são: o solo com presença de fezes de homens e animais, solo arenoso ou areno-argiloso sem incidência solar direta, temperatura entre 25-30ºC, plantações irrigadas com água poluída por fezes, condições sanitárias e ambientais inadequadas, além do não uso de calçados.

Profilaxia e tratamento
A medida profilática que deve ser utilizada é a educação da população sobre os aspectos da doença e sobre hábitos como uso de calçados e lavagem adequada dos alimentos.

A profilaxia em indivíduos imunodeprimidos é a seguinte:
“… recomenda-se o uso profilático de tiabendazol por dois a três dias mensalmente, para evitar a recidiva da estrongiloidíase.”
(NEVES, 2005)

O tratamento em pessoas que não apresentem imunodepressão tem como medicamento de escolha a Ivermectina, por ter baixa toxicidade, além de apresentar menos efeitos colaterais que o tiabendazol e uma melhor erradicação de larvas que o Albendazol. É recomendada uma dose única por 1 ou 2 dias, levando a uma cura de 97% dos casos da doença em sua forma intestinal.

Entretanto, “pacientes com formas disseminadas frequentemente apresentam lesão nos vasos linfáticos intestinais e na mucosa intestinal pelo próprio parasita. Esses fatores somados causam edema na parede intestinal, redução de absorção e íleo, resultando em prejuízo da absorção do anti-helmíntico.” ³, contudo, não existe anti-helmíntico parenteral licenciado para uso em humanos, o que complica o trabalho em caso de formas disseminadas.

Testes estão sendo realizados sobre o uso da Ivermectina parenteral e já geraram artigos na comunidade científica.

Conclusão
Esse helminto apresenta alta prevalência no território nacional e um difícil tratamento depois de estabelecida a fase disseminada. Dessa forma, médicos devem analisar bem os casos e saber o momento de intervenção e o exame a ser requerido a fim de esclarecer as dúvidas, principalmente, quando se trata do Strongyloides stercoralis.

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