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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Aids e casamento: o risco nos laços da conjugalidade




A presente resenha diz respeito à tese de doutorado de Zampieri, que, além de acadêmica, tem uma vasta experiência clínica, trabalhando com casais há mais de vinte anos. A temática da obra analisada é muito relevante, e fundamental para as pesquisas que envolvem a temática da saúde reprodutiva, porque aborda o problema da infecção pelo HIV no interior da conjugalidade. Este tema tem sido bastante debatido e tem criado dificuldades aos técnicos em saúde, os quais não têm conseguido realizar, de forma eficiente, a prevenção à AIDS, em especial quando as relações são estáveis e em regime de conjugalidade.

A questão central da autora é, destarte, discutir um grande problema: a infecção pelo HIV entre pessoas casadas. Seu estudo promove uma análise sobre os comportamentos de conjugalidade e os padrões de comportamento que propiciam as relações de infidelidade. A autora ressalta, em toda a obra, ser esta uma questão que remete aos problemas de gênero. Tomando por base a abordagem sistêmica, tenta partir de uma explicação biológica até chegar às características sociais dos problemas de gênero.

Na primeira parte de sua obra, Zampieri busca demonstrar, com vários argumentos, quanto os hormônios podem influenciar os comportamentos de homens e mulheres. Muitas vezes, chega à minúcia de citar um hormônio pouco conhecido, chamado desidroepiandrosterona, que é por ela denominado como a "mãe dos hormônios", relacionando-se ao "impulso sexual", ao orgasmo e à atração física (p.29). Também cita a polêmica do feromônio, o hormônio que, segundo afirma, está ligado determinantemente ao comportamento das pessoas.

Conquanto Zampieri afirme adotar uma postura que compreende a sexualidade como uma construção social, por vezes as suas argumentações parecem caminhar mais no sentido de naturalização dos processos sociais do que de problematização destes processos.

Na segunda parte da obra, que trata sobre gênero e sexualidade conjugal, a autora descreve o histórico da diferença entre homens e mulheres, utilizando Foucault (1999) para discutir os principais aspectos da sexualidade. Ressalta que o fato de as mulheres naturalizarem as relações de dominação pode facilitar a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS.

Nessa parte da obra, a autora deixa claro que compreende a sexualidade a partir de uma construção social, desfazendo para o leitor uma dúvida que parece ficar desde o início do trabalho, pois na primeira parte a sexualidade parece surgir como uma resposta a uma seqüência interminável de hormônios que interferem no comportamento de homens e mulheres. A autora faz, nesse momento, uma crítica às formas binárias de compreensão da identidade de gênero, embora não se aproprie das atuais discussões realizadas por alguns autores, dentre as quais pode ser citada como exemplo Butler (2003) e seu debate sobre teoria queer, que propõe uma superação das identidades dicotômicas masculino/feminino.

Os capítulos terceiro e quarto procuram relacionar o erotismo e a sexualidade na vida conjugal e a infidelidade, demonstrando a larga experiência da autora, experiência esta que foi adquirida em vários anos de atendimento (clínico), mas pouco contribuiu para uma consistente análise teórica dos pontos tratados. Uma das principais questões abordadas por Zampieri - ou seja, o amor – parece mais uma vez revestida de um naturalismo biológico. Mesmo quando vai abordar a idéia de amor romântico, discutido por autores como, por exemplo, Giddens (1993), deixa transparecer a idéia de que o relacionamento entre casais está atrelado a um impulso sexual das espécies, inclusive a humana.

As duas últimas partes do trabalho, capítulos quarto e quinto, talvez sejam aquelas que mais contribuem no campo da saúde coletiva e da sexualidade. Nestas, a autora aborda a infidelidade conjugal no casamento e suas conseqüências para a saúde, no caso da infecção pelo HIV, principalmente com relação às mulheres casadas. Para alcançar seu objetivo, faz um levantamento da situação da monogamia no mundo cristão e da infidelidade em outras culturas, como as dos cheyennes e dos zulus, demonstrando, assim, uma preocupação, em seu trabalho, com o viés histórico e antropológico. Quando a autora discute como a AIDS se apresenta dentro do cenário conjugal no Brasil, coloca o problema desta síndrome e revela que as pessoas reconhecem o risco para os outros, mas não para si próprias. Além disto, ela traz algo que alguns autores já têm discutido, como, por exemplo, o fato de que o conhecimento não se traduz em prevenção, pelo menos no caso da AIDS.

A autora demonstra que a experiência na psicoterapia, por meio do sociodrama, possibilita uma compreensão importante do problema da AIDS. Através da sua prática, pôde conferir o que as pessoas, principalmente os casais, têm pensado sobre o risco de contrair o HIV. Mesmo assim, a sua obra não chega a avançar ou surpreender no campo teórico, ou mesmo em descobertas sobre a temática. A sua linguagem é clara e faz com que mesmo pessoas leigas tenham um bom conhecimento de assuntos sobre os quais talvez ninguém goste muito de discutir e muito menos pensar: um destes assuntos é a infidelidade. A autora faz as pessoas pensarem (e bastante), o que para uma obra já é suficiente.

O livro de Zampieri é interessante e deve servir como um bom "manual" para casais repensarem a suas relações sexuais e conjugais. Talvez o ponto mais falho da obra esteja na integração dos capítulos. Isto acontece porque a autora é bastante ousada quando tenta romper as chamadas dicotomias entre "biológico e sociológico"; contudo, por vezes, fica difícil compreender onde deseja chegar. Ainda, surge em determinadas ocasiões uma explicação quase "hormonal" dos comportamentos; por outras, a autora faz a ressalva da construção social dos relacionamentos sexuais. Ao final, fica para o leitor uma série de dúvidas quanto à explicação da disseminação da AIDS entre pessoas que vivem em regime de conjugalidade. Com esta leitura o leitor terá acesso a esclarecimentos importantes sobre o relacionamento conjugal e sexual. Isto, a meu ver, já parece suficiente para uma obra que lida com questões tão complexas.



REFERÊNCIAS

Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Foucault, M. (1999, 13ª ed.) História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.

Giddens, A. (1993, 2ª ed.) A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades. São Paulo: UNESP.

autor da resenha: Leandro Castro Oltramari

Pesquisador do IPPSEA, Instituto de Planejamento, Pesquisa Social e Estudos Avançados, docente da UNISUL e UNIVALI e doutorando em Ciências Humanas/UFSC

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