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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Dialética

Do grego, diá, advérbio e preposição que significa separação (dualidade), e lektikós, apto à palavra, capaz de falar, conveniente ao diálogo. A raiz da palavra é a mesma de diálogo, querendo dizer dualidade de razões, posições ou teses. Dialética, porém, sempre significou, além de dualidade, oposição de razões, atitudes ou argumentos. A ideia de oposição, antítese ou contradição, por sua vez, embora essencial à noção de dialética, não esgota seu significado, pois, desde os primórdios da filosofia grega, foi diversamente interpretada, atribuindo-lhe alguns sentido apenas lógico e outros alcance também ontológico. Para apreender a plenitude de seu conteúdo não poderemos nem limitá-la ao sentido etimológico nem defini-la dogmaticamente, mas deveremos recorrer à história, ao longo da qual a palavra dialética não só adquiriu sentidos e inflexões diferentes, mas enriqueceu extraordinariamente seu significado, tornando-se "a pedra filosofal do nosso tempo".

Segundo Aristóteles, o inventor da dialética teria sido Zenão de Elea, autor dos célebres argumentos contra a pluralidade e a mobilidade do ser. Todavia, os historiadores do pensamento grego reconhecem em Heráclito de Éfeso o mais remoto ancestral da dialética. Em vários de seus fragmentos, esse filósofo afirma a estrutura movediça e contraditória da realidade e do logos, "de acordo com o qual todas as coisas se produzem" (frag. 1). Para o efesiano, "não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio" (frag. 91) e "a guerra é mãe e rainha de todas as coisas" (frag. 53). A contradição é reconhecida como essência do vir-a-ser, do devenir, pois "é uma mesma coisa ser vivo e ser morto, desperto ou adormecido, jovem e velho, essas coisas se transformam umas nas outras e (são) de novo transformadas" (frag. 88).

O logos heraclítico é não só a razão das coisas, mas o fogo que as ilumina e nos permite vê-las, não apenas o "sentido" do real, mas o pensamento e, mais ainda, a sabedoria, pois "ser sábio consiste em saber que o pensamento governa todas as coisas por meio de todas as coisas" (frag. 40). Compreendendo a natureza como processo, o Absoluto como vir-a-ser e unidade ou unificação dos opostos, Heráclito, no comentário de Hegel, formulou, pela primeira vez, "a ideia filosófica em sua forma especulativa".

Zenão de Elea, para justificar as teses da escola, unidade e imobilidade do ser, formulou os famosos argumentos com os quais se propõe mostrar as contradições em que incorrem os que aceitam a tese da pluralidade e da mobilidade do ser. Pressupondo que só o racional é real, e que o princípio de identidade (formalmente entendido) é o princípio fundamental da razão, procura mostrar que o movimento e a pluralidade, envolvendo contradição, são irracionais e, portanto, irreais, meras ilusões dos sentidos. O movimento é contraditório porque implica em estar e não estar, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, e a transformação, substancial porque consiste em ser e não ser, ao mesmo tempo, a mesma coisa. A pluralidade, ou multiplicidade, também é contraditória porque as coisas só podem estar separadas umas das outras ou pelo ser ou pelo não-ser. Ora, pelo ser se confundem e pelo não-ser não se podem distinguir porque o não-ser não é.

Procurando atender às exigências políticas da democracia ateniense, os sofistas se apresentam não como filósofos, nem mesmo como pedagogos no sentido grego, mas como professores. Na agora, nas assembleias, nos tribunais, o cidadão ateniense precisa, para defender seus interesses e direitos, dominar uma técnica, a da palavra. Professores de retórica, de saber enciclopédico, os sofistas ensinam a falar e a discutir, a utilizar praticamente o logos. A antilogia, ou controvérsia, essência de seu método, consiste em aplicar "a concepção heracliteana do contraste dinâmico entre os juízos sucessivos e a argumentação de Zenão, que fazia surgir a oposição estática dos juízos simultâneos sobre as noções fundamentais da experiência". Para os sofistas, a dialética é arte puramente verbal, útil ao discurso e à discussão.

Condenando a erudição e o enciclopedismo dos sofistas, Sócrates partia do pressuposto da própria inciência ou ignorância, atribuindo ao método (diálogo), não um conteúdo eventual, mas permanente, o conhecimento de si mesmo, e das essências das coisas, do inteligível, do universal. A dialética socrática inclui três momentos: a hipótese, a ironia e a maiêutica. A hipótese é a definição prévia e provisória do que se pretende conhecer. A ironia, o interrogatório que leva o interlocutor a reconhecer a ignorância do que pretendia saber. A maiêutica, parto das almas, é a arte de dar à luz as ideias, adormecidas no espírito do interlocutor ou discípulo. A dialética socrática é, pois, o método que nos permite, pelo diálogo, proposição da tese, crítica da tese, antítese, chegar à síntese, à essência descoberta em comum, ao termo da controvérsia.

Platão, discípulo de Sócrates, enfrenta a dificuldade que o Mestre, no Menon, chama de "proposição polêmica (ou belicosa)": é impossível procurar tanto o que se sabe quanto o que não se sabe. O que se sabe porque, sabendo-o, não há que procurá-lo; o que não se sabe porque, ignorando-o, não se sabe o que procurar. Platão resolve a dificuldade com a teoria da reminiscência, transposição filosófica da metempsicose, ou metensomatose, crença pitagórica na transmigração das almas. Conhecer é reconhecer, aprender é lembrar-se e ignorar é esquecer.

Quanto ao conhecimento, cabe distinguir a doxa, opinião, da episteme, ciência, fundada em princípios e capaz de justificar-se, dar razão de si mesma. O objeto da ciência, como ensinava Sócrates, é o necessário e o universal. Ora, os sentidos só nos revelam o particular e o contingente, motivo pelo qual o mundo sensível não pode ser objeto de conhecimento epistemológico. A essência das coisas consiste nas "ideias", necessárias e universais, imutáveis e eternas, que, hipostasiadas, quer dizer, dotadas de existência real, constituem o topos manos, mundo platônico das ideias. A ciência consistirá, pois, em ascender ao mundo das ideias, ou da realidade não aparente, mas verdadeira.

Esse acesso, ou ascensão, requer um caminho, método, que é a dialética. Conversão, não só da inteligência, mas do homem todo, que deve "voltar-se" das aparências para a realidade, a dialética platônica, além de disciplina da razão, processo de "redução" do múltiplo ao uno, do contingente ao necessário, do particular ao universal, é também educação da vontade, disciplina ascética de purificação que, libertando o espírito do corpo, o torna capaz de contemplar as ideias. A dialética é o método de tal conversão, propiciando a visão sinótica, ou sintética, que nos permite ascender aos princípios "anhipotéticos" dos quais podemos deduzir, com rigor, o conhecimento epistemológico das relações que constituem o mundo do ser, do qual o mundo sensível é apenas uma imagem ou aparência.

Para Aristóteles que, na Metafísica,, critica a teoria platônica das ideias, os universais não são transcendentes, mas imanentes à realidade sensível, na qual os apreendemos pela "abstração". A indução, método da ciência, permite aprender o universal pelo particular, e deduzir, do universal, o particular que nele se contém. Na obra de Aristóteles, a dialética é tratada na Lógica (Organon), na Ética e na Retórica, tornando-se um método subsidiário, de importância menor, em confronto com os métodos da ciência. No Organon (Tópicos), o silogismo dialético é aquele cujas premissas são apenas prováveis. Sem ter valor científico, seu estudo apresenta estas vantagens: é um exercício mental; habilita a discutir com qualquer interlocutor; ensinando a defender a tese e a antítese, permite distinguir a verdade do erro e aproximar-se dos primeiros princípios quando tais princípios não podem ser conhecidos cientificamente.

Na Ética, que não pode ser demonstrativa, a tal ponto seus princípios se acham diluídos na complexidade e na casuística do comportamento humano, a dialética é utilizada para chegar aos primeiros princípios, a partir da doxa (opinião) da maioria e dos sábios. Na Retórica, Aristóteles escreve que essa disciplina "não deixa de ter analogias com a dialética. Ambas, com efeito, tratam de questões que, de certo modo, são da competência comum de todos os homens, sem ser do domínio de nenhuma ciência em particular. Assim, todos, de certo modo, participam de ambas e tentam submeter a exame ou sustentar uma tese, apresentar sua defesa ou contestação".

Pedro Abelardo (1077-1142), na obra intitulada Sic et Non, emprega o método dialético, opondo umas às outras as teses (teológicas) dos padres da Igreja e procurando conduzir o leitor, através de suas contradições, a um ponto de vista positivo.

Alberto o Grande (1206-1280), embora aristotélico, salienta o princípio das oposições (razão e autoridade) admitindo a dupla verdade, a natural ou filosófica, e a sobrenatural ou teológica. A oposição se resolve dialeticamente, em Deus, que é a síntese das duas verdades, e, no homem, pela subordinação da razão à fé, pois o objeto da fé não é anti-racional, mas supra-racional.

Mestre Eckhart (1260-1327), dizendo de Deus que é "um puro nada", prenuncia de certo modo Hegel, pois concebe a divindade como processo dialético que deve emergir do infinito, ou do indeterminado, e tornar-se Deus real e vivo, síntese do infinito e do finito. Essa concepção trinitaria de Deus, e do homem, feito à sua imagem e semelhança, implica uma tensão dialética, embora, em Eckhart, seu desfecho seja místico e não especulativo.

Nicolau Cusano (De Cusa) (1401-1464) revela, também, clara consciência da tensão dialética entre o infinito (Deus) e o finito (homem). Enquanto a razão permanece prisioneira dos contrários, das antinomias, o intellectus nos dá a intuição da unidade de Deus, que é o Absolutn, unidade dos contrários, coincidentia oppusitorum. Em Nicolau de Cusa, escreve Julián Marias, "encontra-se em gérmen toda a filosofia que deveria desenvolver-se na Europa, desde Giordano Bruno, de modo impreciso e confuso, até a esplêndida maturidade hegeliana".

Jacob Boehme (1575-1624), pensador cristão, místico, é várias vezes citado por Hegel, que o considera um "poderoso espírito", ao qual se deu, com razão, o título de philosophus teutonicus. O autor da Fenomenologia salienta o "conteúdo especulativo" do pensamento de Boehme, cuja "ideia fundamental consiste em tudo manter na unidade absoluta, a absoluta unidade divina, e a reunião de todos os opostos em Deus... seu pensamento único é a santa triplicidade, que tudo apreende na unidade divina e todas as coisas como seu desenvolvimento e sua exposição... tudo o que é é como essa tríade, essa tríade é tudo".

O breve retrospecto da pré-história da dialética permite verificar que essa ideia trabalha o pensamento humano desde Heráclito e, refletindo as peripécias do processo social e histórico, germina surdamente, até tornar-se, com Hegel e Marx, uma das categorias mais importantes do conhecimento científico e do pensamento filosófico.

Immanuel Kant (1724-1804) que contribui para realizar no domínio do pensamento aquilo que os franceses realizaram praticamente, com a Revolução, transfere para o plano do transcendental a eficácia da dialética. Na Critica da Razão Pura, nos diz que "a lógica geral, considerada como organon, é sempre uma lógica da aparência, quer dizer, dialética (porque) nada nes ensina sobre o conteúdo do conhecimento mas se limita a expor as condições formais do acordo do conhecimento com o entendimento". Embora a "razão pura" esteja limitada ao conhecimento dos "fenômenos", ou aparências das coisas, subsiste no homem a exigência do absoluto, do incondicionado, que procura, realizar-se nas ideias puras da razão, puras porque não oriundas nem dos sentidos nem do entendimento.

A "aparência transcendental", como diz Kant, "influindo nos princípios cuja aplicação não se refere à experiência, nos leva além do uso empírico das categorias e nos engana com a ilusão de uma extensão do entendimento puro". A função da "dialética transcendental" será, pois, a de revelar essa aparência transcendental, demonstrando a incognoscibilidade da transcendência. Às ideias da razão, psicológica, cosmológica e teológica, correspondem as antinomias da razão pura, nas quais Kant procura mostrar que, desvinculada da experiência e entregue a si mesma, a razão pura demonstra tanto a tese quanto a antítese, a liberdade e o determinismo, a finitude e a infinitude do mundo, a existência e a inexistência de Deus.

No plano da razão prática, a dialética se revela na contradição entre o eu normativo, portador de um ideal, e o eu empírico que, finito e mortal, não logra realizar esse ideal. Tal antinomia se resolve no plano da fé, em Deus e na imortalidade da alma. No domínio da estética, finalmente, a contradição se apresenta no juízo referente ao gosto que, embora seja puramente subjetivo, pretende valer para todos os sujeitos. Kant tenta superar essa contradição "elevando o olhar além do sensível e procurando no supra-sensível o traço de união de todas nossas faculdades a priori". O resultado a que chegam as "críticas" é, pois, puramente negativo, a contradição não é superada em uma síntese racional e a função da dialética consiste em "suprimir o saber para substituí-lo pela crença".

Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) leva às últimas consequências o idealismo subjetivo de Kant, tentando superar o dualismo entre "coisa em si" e fenômeno, aparência e realidade, sujeito e objeto, etc. Eliminada a "coisa em si", a objetividade se torna uma criação do sujeito, e o sujeito o absoluto. Deve-se explicar, porém, como o Eu se limita a si mesmo. O Eu fichteano é atividade, ato puro; sua afirmação implica a resistência, o "choque", a negação de si mesmo. Ora, se nada há além do Eu, sua negação deverá ser deduzida do próprio Eu. A afirmação do Eu implica pois a negação de si mesmo e a negação da negação. O momento decisivo dessa dialética é o da antítese, negação do Eu, pois o momento seguinte, negação da negação, supõe o primeiro, ou o anterior, momento da negação. Na síntese, o sujeito deve reconhecer no objeto "seu próprio produto". Mas como poderá a passividade resultar da atividade? Ou, com outras palavras, se o sujeito não inclui, a priori, o objeto, e se só existe o sujeito, como deduzir o objeto do sujeito? O essencial do movimento ou processo dialético, no entanto, já se encontra, como vemos, na primeira filosofia de Fichte, embora a natureza, "produto inconsciente do Eu", de que o Eu precisa para agir e afirmar-se, permaneça uma simples exigência moral.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em suas Lições sobre a História da Filosofia, nos diz que não há uma só proposição de Heráclito que não tenha sido adotada em sua Lógica. Se o ser e o não-ser não passam de abstrações "sem verdade", e se a verdade é o vir-a-ser, o princípio fundamental do pensamento deixará de ser o de identidade (o ser é o ser), como pretendiam os eleatas, para tornar-se o de contradição, o ser é o não-ser, como pensava Heráclito. Segundo Hegel, as determinações opostas estão ligadas na unidade, em que se encontram tanto o ser quanto o não-ser. O entendimento separa e fixa essas determinações, mas a razão não pensa uma sem a outra, porque uma está contida na outra; o Todo, ou a Totalidade, o Absoluto, deve, pois, ser compreendido como vir-a-ser, devenir.

Compreender a natureza, diz Hegel, é representá-la como processo e, se Heráclito considera o fogo o primeiro princípio, é porque o fogo é um processo. Totalidade, contradição, movimento, tais são as categorias fundamentais da dialética. A lógica formal, que separa a forma do conteúdo, é uma "teoria geral das estabilidades", ao passo que a dialética, que não separa a forma do conteúdo, é a lógica da contradição e do movimento. "Chamamos dialética, escreve Hegel, o movimento racional superior, graças ao qual os termos, na aparência separados, passam uns nos outros, espontaneamente, em virtude daquilo que são, a hipótese de sua separação achando-se assim eliminada. É em virtude da natureza dialética que lhes é imanente, que o ser e o nada manifestam sua unidade e sua verdade no vir-a-ser (devenir)". A dialética, tal como Hegel a entende, não é, pois, uma "arte exterior", ou um "método" a ser utilizado no estudo de uma realidade que, em si mesma, não seria dialética, porque o método, escreve Hegel, "não é senão a estrutura do todo exposta em sua pura essencialidade". Em tal perspectiva, a lógica formal passa a ser a lógica da aparência (a imobilidade é aparente e o movimento real) e a dialética, a lógica da realidade. O problema da dialética não será, portanto, o de enunciar tautologicamente a identidade, o ser é o ser, mas o de pensar a contradição e o movimento entendidos como estrutura mesma do real.

Se toda determinação é uma negação, como dizia Spinoza, todo ser finito é contraditório na medida em que implica, em si mesmo, sua própria negação. Ora, como diz Hegel, "a contradição é a raiz de todo movimento e de toda manifestação vital; é apenas enquanto encerra uma contradição que uma coisa é capaz de movimento, de atividade, de manifestar tendências e impulsos... a contradição não tem origem apenas na reflexão exterior mas reside nas coisas e nas instituições elas próprias..., é o princípio de todo movimento espontâneo, que não passa da manifestação da contradição".

A dialética é, pois, a estrutura do real que, entendido como processo, envolve três "momentos": o da identidade, da tese, do ser em-si, do dado (natureza); o da contradição, ou negação, antítese, ser para-si (ação, trabalho); o da positividade, negação da negação, ser em-si e para-si totalidade, síntese (obra, história). O momento propriamente dialético do processo é o da negação, implícito no anterior, na

finitude do dado. Não seria, porém, dialético, no sentido hegeliano, se contivesse apenas os dois primeiros momentos, da imediatidade e da negação. O processo é dialético porque não se detém na negação, que o imobilizaria, mas, pela negação da negação, alcança nova posição, ou positividade, que contém os momentos anteriores e os supera, na totalização ou na síntese. Com Hegel e a Ciência da Lógica, a contradição se torna, como diz o filósofo, "a determinação mais profunda e essencial" da realidade e do pensamento humano, embora não tenha produzido, na obra hegeliana, todas as consequências que potencialmente continha.

Caberia a Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) dar um conteúdo concreto à dialética hegeliana. Embora compreenda que o concreto é a totalidade, Hegel, por ser idealista, estabelece a prioridade da consciência em relação ao ser, ou do pensamento em relação ao real. Na carta ao pai, de 10 de novembro de 1837, Marx diz que "pouco a pouco abandonou o idealismo e passou a procurar a ideia na própria realidade", afirmação que deixa clara, no jovem Marx, sua divergência com Hegel. A crítica do idealismo, todavia, não impede Marx e Engels de reconhecerem seu débito com a filosofia alemã em geral e a hegeliana em particular.

Marx elogia a Filosofia do Direito de Hegel, na qual diz ter encontrado, na filosofia política alemã, "a fórmula mais lógica, mais rica, mais absoluta". A propósito da Fenomenologia, diz, nos Manuscritos de 1844, que "a grandeza (dessa obra) e de seu resultado final — a dialética da negatividade como princípio motor e criador — consiste em que Hegel apreende a produção do homem por si mesmo como um processo, a objetivação como desobjetivação, alienação e supressão da alienação... e concebe a essência do trabalho e o homem objetivo, verdadeiro porque real, como resultado de seu próprio trabalho". Engels, por sua vez, nos diz que "se não tivesse havido a filosofia alemã, notadamente a de Hegel, o socialismo científico jamais teria existido".

Em texto famoso, ao dizer que seu método é distinto do de Hegel, do qual seria mesmo a antítese, Marx escreve que, "para (o filósofo) o pensamento, com o nome de ideia, é o demiurgo do real, e o real a simples forma externa em que toma corpo. Para mim, ao contrário, o ideal é o material traduzido e transposto na cabeça do homem". Embora tivesse mistificado a dialética, Hegel foi o primeiro a expor, "com amplitude e consciência, as formas gerais do movimento. Nele (a dialética) está de cabeça para baixo. Trata-se de pô-la de pé, para descobrir na ganga mística o núcleo racional".

Desmistificada, posta de cabeça para cima, racionalizada, a dialética, porque "na inteligência do real incluía a inteligência de sua negação necessária", revela-se "essencialmente crítica e revolucionária". Se o real é contraditório, se inclui em sua estrutura a própria negação, nenhuma de suas formas pode ser eterna e definitiva. Tanto a natureza quanto a cultura se constitui de realidades efêmeras e perecíveis, sujeitas à mudança, à contínua transformação. É o que nos diz Engels, ao salientar "o caráter revolucionário da filosofia hegeliana"... "que dissolve todas as noções de verdade absoluta e definitiva e de estados da humanidade que lhes seriam correspondentes" e em face da qual nada subsiste de definitivo, absoluto e sagrado", pois nos revela "a caducidade de todas as coisas"... "nada subsistindo diante dela senão o processo ininterrupto do vir-a-ser e do perecer", pois "o caráter revolucionário dessa maneira de ver é absoluto". A dialética revolucionária que estaria, assim, aprisionada na ganga do sistema conservador, no "idealismo" da concepção hegeliana da dialética, é liberada, tornando-se o instrumento não só de conhecimento mas de transformação do real. Se a matéria é anterior ao espírito, o real à ideia, e se a estrutura do real é a contradição e o movimento, o materialismo dialético será a concepção ou visão do mundo natural e humano, correspondente a essa estrutura.

Dando um conteúdo concreto à formulação abstrata da Fenomenologia de Hegel, à dialética do senhor e do escravo e à teoria da praxis, Marx compreende a história como luta de classes, como contradição entre a estrutura das forças produtivas e as relações de produção. A contradição é, pois, a mola do processo histórico, a tensão que a propulsiona e a faz mover-se, a ser constante mudança e transição. Posição da tese, negação da tese pela antítese, e negação da negação na síntese, a dialética leva Marx a prever que "em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, surgirá uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos"

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