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domingo, 26 de setembro de 2010

A música social

"Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música". A frase é do escritor britânico Aldous Huxley (1894-1963) e resume em pouquíssimas palavras o que a música é capaz de fazer, ou até mesmo os efeitos que ela pode causar nas pessoas; e há quem diga que até os animais são beneficiados pelas notas musicais.

Do grego Arte das Musas, essa música tem origens distantes, e talvez em nada se pareça com o que é tocado hoje em dia. No entanto, no decorrer da história, a primeira arte evoluiu e, certamente, é um dos passatempos favoritos de boa parte da população mundial.

Para muitas dessas pessoas, a música traz algo muito maior que o prazer de ouvi-la; ela tem um significado à parte, que puxa pela história daquela pessoa e vincula alguma coisa a ela. Não só a música ultrapassou os limites do prazer pela audição, como se tornou, também, um rito, uma passagem. Em muitas culturas, as canções são utilizadas em funerais, órgãos militares e hinos nacionais. Por isso, podemos dizer sem qualquer medo de errar que ela é uma das poucas que consegue persuadir e emocionar quem a ouve, independente do contexto.

Se utilizarmos um filme dramático como exemplo, e no ápice da cena tocar uma música que corresponde àquele momento, ela certamente trará mais emoção à situação. Não à toa existe um departamento de trilha sonora, afinal, um filme sem canções é quase mudo.

A música é a arte de manipular o som no tempo, criando um ritmo que soe agradável aos ouvidos de quem escuta, e que tenha um padrão de melodia, porque só jogar as notas musicais (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si) no instrumento não é garantia de sucesso e harmonia. A nota Sol, também conhecida como G, casa-se muito bem com Dó (C), porque existe um estilo harmonioso entre elas e, postas numa sequência, podemos criar uma melodia agradável. É claro que não é só isso, tem o ritmo e a letra para colocar em cima, mas é um encadeamento suave. Do mesmo modo, se utilizarmos as notas que fazem o sucesso do rock dos anos 1960, apenas três, Lá, Ré e Mi, teremos uma fórmula que perdura até hoje. Há quem não apoie, como o cantor e compositor Tom Jobim (1927-1994), quando dizia que um dia o rock vai evoluir e descobrir o quarto acorde.
Diferenças, e ritmos, de lado, a música vem atravessando as fronteira entre as pessoas e derrubando barreiras onde ainda não tinha atingido: a sociedade em geral.

Resgatar pessoas, ou até mesmo impedir que elas escolham um caminho errôneo, que será ruim tanto para elas quanto para a sociedade em geral, é a mais nova função da música no século 21. Institutos como AfroReggae e Baccarelli se mostram bem afinados nesse ritmo. "A maioria dos alunos que estão aqui não tinha a menor familiaridade com a música erudita. Hoje, a música é um pretexto, é uma ferramenta que encontramos para a inclusão social", explica o diretor-executivo do Instituto Baccarelli, Edilson Ventureli.

É evidente que a música clássica desperta certa curiosidade do ouvinte por ter um arranjo mais sofisticado e soar de forma suave aos ouvidos. Segundo Ventureli, ela tem se mostrado um ótimo meio de abarcamento para jovens que procuram um espaço nos dias de hoje, com direito à fila de espera. "A música foi a forma que o Instituto Baccarelli escolheu, mas a arte possibilita o crescimento da autoestima. Os aplausos colocam a pessoa que está se apresentando em um lugar de importância, protagonismo, e essa nova realidade combate e se contradiz ao que eles são diariamente expostos, na realidade em que vivem". Talvez um porto seguro seja o que essas crianças procuram, embora, além de encontrá-lo, possam alçar voos maiores ainda, como os alunos Adriano Costa Chaves, Emerson Nazário e José Batista Júnior, que depois de alguns anos no Instituto Baccarelli foram convidados pelo maestro indiano Zubin Metha para estudar na Orquestra Filarmônica de Israel, uma das maiores do mundo.

O caso não se restringe apenas à música erudita, muito citada, mas pouco ouvida. O estilo popular também se faz presente. "A música agrega, assim como o esporte e outras coisas. A música dá prazer, por meio dela você se expressa, você reflete, você sonha", explica o vocalista da banda AfroReggae, Anderson Sá. Ele mesmo é um exemplo de superação por meio da música, e o feito foi tamanho que rendeu até um documentário sobre o fato e conta como Anderson perdeu um tio na chacina em Vigário Geral em 1993, beirou a criminalidade e ainda superou um drama pessoal: ficou tetraplégico após cair de sua prancha, mas conseguiu se recuperar em poucos dias. Um exemplo de redenção social através da arte.

Na ativa há 17 anos, o Grupo Cultural AfroReggae, que também leva o nome da banda, faz o primeiro contato de crianças e jovens com a música por meio de objetos como percussão, bateria e guitarra. "Também usamos ferramentas como vídeos, CDs e livros para um maior entendimento sobre música, ritmos, etc.", explica o vocalista. Como a procura é muito grande também, no Instituto Baccarelli é preciso fazer antes um teste. "As inserções são feitas por meio de um teste de aptidão, que na realidade é mais simbólico, para poder ter algum critério de seleção, já que a procura é maior que a oferta", diz Ventureli, que completa a informação dizendo que as vagas são oferecidas nas escolas de Heliópolis, local com uma das maiores favelas do Brasil e que possui cerca de 125 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo 51% da população composta por crianças e jovens de 0 a 25 anos. Lá, são englobados vários projetos, como a Orquestra do Amanhã, que proporciona a crianças e adolescentes o estudo dos instrumentos que compõem o universo de uma orquestra sinfônica, entre eles: violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa, trompete, trombone e percussão.

Apesar de ter sido a primeira atividade realizada com a comunidade em 1996, passou por alterações ao longo dos anos. Em 2003, em paralelo à prática orquestral, foi instituído o chamado ensino coletivo de instrumentos como forma de trabalhar a iniciação em instrumentos com os alunos.

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